segunda-feira, 24 de março de 2008

Prelúdios - intensos para os desmemoriados do amor.

I

"Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca
Austera. Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte, toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute
Em cadência minha escura agonia.

Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.

Te descobres vivo sob um jogo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo
Imensa. De púrpura. De prata. De delicadeza.

II

Tateio. A fronte. O braço. O ombro.
O fundo sortilégio da omoplata.
Matéria-menina a tua fronte e eu
Madurez, ausência nos teus claros
Guardados.

Ai, ai de mim. Enquanto caminhas
Em lúcida altivez, eu já sou o passado.
Esta fronte que é minha, prodigiosa
De núpcias e caminho
É tão diversa da tua fronte descuidada.

Tateio. E a um só tempo vivo
E vou morrendo. Entre terra e água
Meu existir anfíbio. Passeia
Sobre mim, amor, e colhe o que me resta:
Noturno girassol. Rama secreta.
(...)
(HILDA HILST)

sábado, 15 de março de 2008

Atempo

O que seria bom mesmo é que todas minhas desesperadas ondas psico-sonoras atravessassem todo o meu orgulho por entre essas casas e chegassem até você com a mesma força dilacerante de que saem de mim. Elas clamam por liberdade.
Dentro desses dias desabitados há um cálido desejo de quebramos cada resquício de rotina nas ações diárias, há um desgostoso jeito de enxugar as lágrimas que não deixamos cair, uma sutil maneira de deixar os encontros na mão da roda viva. Existem vários truques de tapear o medo de errar, truques que cegam e neutralizam as possibilidades do tentar.
pare de arrastar a vida meu amor; coloque nela sua fúria; limpe toda a poeira de indecisão; deixe de ser preto luto e seja intensamente vermelho; suplique pela vida, mas por favor, não morra desse jeito por ela, não desse jeito..

segunda-feira, 10 de março de 2008

Lispector. Clarice.

“...escrevo-te toda inteira e sinto um sabor em ser e o sabor-a-ti é abstrato como o instante. É também com o corpo todo que pinto os meus quadros e na tela fixo o incorpóreo, eu corpo a corpo comigo mesma. Não se compreende música: ouve-se. Ouve-me então com teu corpo inteiro. Quando vieres a me ler perguntarás por que não me restrinjo à pintura e ás exposições, já que escrevo tosco e sem ordem. É que agora sinto necessidade de palavras - e é novo para mim o que escrevo porque minha verdadeira palavra foi até agora intocada.
A palavra é a minha quarta dimensão.
.."